É bastante conhecida nas ciências biológicas, entre elas a Medicina, a correlação entre desnutrição infantil, déficit cognitivo e desenvolvimento somático. Ou, em outras palavras, o casamento entre fome, submissão e fragilidade sanitária é bastante claro, às vezes definitivo.
Este será um post rápido. Tentarei ser breve ao explicar porque acredito que o tempo de atuação das politicas públicas no Brasil, implementadas a partir de 2004, não tiveram tempo de surtir efeitos de longo prazo, visto que começaram a ser corroídas em 2016, com a tomada do poder executivo por um governo ilegítimo.
Na década de 1990, jornais e revistas chamavam a atenção ao fato de que pessoas, seja nos sertões, seja nas grandes cidades, padeciam do flagelo da fome. Havia um percentual significativo de pessoas abaixo da linha de miséria (as que percebem menos de USD 1,0 ao dia). Tais fatos eram já bem conhecidos nos meios médicos e na academia, de modo geral.
Com a eleição do governo progressista de Luis Inácio Lula da Silva e sua posse, as coisas começaram lentamente a mudar. As pessoas em situação de risco passaram a fazer parte do orçamento através de um rede de proteção social inclusiva. Paulatinamente, a comida começou a chegar às mesas, a moradia passara a ser, não uma quimera, mas uma realidade. As crianças e gestantes tiveram sua saúde melhor protegida através do ancoramento da frequência escolar, ao comparecimento aos serviços de pré-natal, vacinação e puericultura. Em contrapartida, receberiam/receberam o benefício do programa Bolsa Família.
A frequência escolar, com alimentação incluída durante o período de aulas, a vacinação e a puericultura, inauguraram um período em que as crianças teriam a possibilidade de ter seu desenvolvimento pleno, seja no plano somático (crescimento e desenvolvimento corporal), seja no plano de desenvolvimento do sistema nervoso central, com incremento das funções cognitivas e interações pessoais e socialização.
Da mesma maneira, as gestantes passaram a ter acompanhamento periódico, também ancorado ao Bolsa Família. É sabido no meio científico que o bom desenvolvimento do feto depende, e muito, das condições físicas e nutricionais da gestante. Carências fundamentais, como a de ingestão de calorias e proteínas em quantidade suficiente, além de combate às chamadas ‘fomes ocultas’, entre as quais a falta de Ferro e anemia ferropriva, começaram a ter maior combate naquele período.
Ainda, o extenso programa de imunização implementado à época inaugurou um período em que a ocorrência de mortes por doenças evitáveis começou, lentamente, a declinar. A consequência foi a diminuição da mortalidade materna e infantil.
O País saiu do chamado mapa da fome.
Mas, para que tais medidas sociais pudessem ter resultados duradouros, seria necessário que pelo menos uma geração completa fosse beneficiada. Isso porque tanto o desenvolvimento do sistema nervoso quanto o somático, até o fim do crescimento, dependem, em menor ou maior grau de nutrientes e estímulos. Se supusermos que uma geração é um período de uns vinte anos, é fácil concluir que não deu tempo de aquelas pessoas, que iniciaram a vida no início do século XXI, dentro ou fora do útero materno, completarem seu desenvolvimento pleno.
Enfim, não deu tempo. Os programas sociais, ora em declínio e nítida corrosão por parte do governo vigente; o desemprego, a assolar famílias inteiras, aproxima-se da cifra de 14 milhões de pessoas, quando até fins de 2014 o País gozava de pleno emprego; a violência perpetrada contra o maior programa de saúde do mundo, o SUS, favorecendo a mercantilização da medicina, enfim, têm feito com que os efeitos de um período de progresso sanitário e nutricional tenham um horizonte sombrio. Um período que, como bem diria Manuel Bandeira, ‘poderia ter sido mas não foi’.
Um País onde o fosso social existe, onde ainda persistem a Casa Grande e a Senzala, tem o terreno para a tão desejada Democracia contaminado pelo ódio de classes, preconceito e subserviência do pobre ao rico. Como antes.
O golpe parlamentar sofrido em 2016 é, pois, uma medida sádica, talvez premeditada e abortiva, de não permitir que uma nova geração de brasileiros devidamente nutridos e capacitados do ponto de vista cognitivo, inaugure um período de igualdade social que se prolongue no tempo.
O Programa Fome Zero, ao ter seu futuro ameaçado pelo golpe que se instalou no Brasil, pode ferir de morte, não uma política do governo que foi derrubado, mas outra, de Estado, cujo desfecho não pode ser outro senão nossa devolução histórica à subserviência aos interesses das classes dominantes e ao capital. Urge lutar contra isto.
(*Paulo Truglio é médico nutrólogo)
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