Terra Arrasada

A repetição da História, ora como tragédia, ora como fraude, conforme a já conhecida expressão de Karl Marx, me leva a acreditar que tal repetição seja, não uma sequência de eventos naturais, mas um sádico comportamento humano no qual o rico submete o pobre.

Neste exato momento, o planeta experimenta uma repetição desse processo: o precário equilíbrio entre as nações. A pandemia do SARS CoV2, conhecida como covid-19, iniciada em algum ponto do planeta (quem foi o paciente zero? Um chinês? Um cientista do Fort Detrick nos EUA?), disseminou seu flagelo de maneira fulminante e colocou em xeque todo o conhecimento médico-científico dos últimos séculos. O comportamento polimorfo do vírus está a promover uma forte produção de conhecimento do qual, certamente, o mais relevante foi a importância do isolamento social como forma de barrar a disseminação da doença.

Infelizmente, apesar do que se observou no Extremo Oriente, bem como na Europa, tem encontrado pouco ou nenhum eco prático em nosso país. Neste exato momento, um colorido protocolo de relaxamento do isolamento social não apenas faz com que o viés da doença passe a ser de maior disseminação, como dá a concluir que em algum momento no futuro muito próximo, uma segunda onda da doença venha a acometer o mundo todo.

Mas isso já é de conhecimento público.

Uma sequela social desse flagelo, que deixou a humanidade mais frágil, os sistemas de saúde sobrecarregados, trouxe a lume a imensa capacidade humana de lucrar com a desgraça alheia. Temos, hoje, um cenário de terra arrasada em nosso País. As famílias que tinham um teto e comida comprada às custas do trabalho, estão diminuindo, dando novos contornos à já triste imagem de nossas urbes. Ruas, marquises, viadutos abrigam seres desamparados e famintos. Os empregos minguam de forma inédita. O mercado, essa entidade estranha, vai muito bem.

Essa sequela a que me refiro é, no geral, a mesma que sucede a guerras, epidemias e eventos da Natureza. A fome está instalada em todos os lados do País, no campo e na cidade.

Essa sequela, essa fome que tende a crescer talvez mais rápido que a própria pandemia, aqui, em nosso Brasil, deveu-se à arrogância, à estupidez, ao comportamento demencial de quem foi, que fique claro, eleito pelo voto popular, não obstante tudo o que já apregoava durante o período eleitoral. Defendeu a tortura e a morte, armou a população, não apenas com pistolas e revólveres, mas com outra arma, muito pior – o ódio ao semelhante, ao que lhe parece diferente, àquele cuja forma de pensar seja discordante.

Em nome de um patriotismo bisonho, cegamente obedecido por grande parte da população, nosso País mergulha na catástrofe dos países espoliados há três séculos pelo capital externo.

Essa fome que se agiganta dia após dia, essa que tinha tudo para não acontecer se não houvesse a Casa Grande e a Senzala, terá dois desfechos, ambos graves: a subserviência ou a conflagração interna.

Essa fome tinha tudo para estar sendo progressivamente sepultada. Havia um plano, uma ideia muito sólida, um ideal de país. Ou, por outra, lembrando Josué de Castro, “No mangue, tudo é, foi ou será caranguejo, inclusive o homem e a lama.” (in ‘A Fome’, http://www.josuedecastro.com.br).

Essa ideia, amputada há quatro anos, continua viva mas encarcerada, sob risco de desaparecer no discurso e ação diluídos de quem governa o Estado Brasileiro neste momento.

Não há mais tempo. Nós avisamos.

Paulo Truglio é médico nutrólogo.